Marcelo Bielsa é um personagem singular no futebol internacional. Em meio a uma coletânea de manias conhecidas, El Loco jamais responde olhando diretamente nos olhos dos jornalistas. Concentra sempre o olhar baixo, evita qualquer contato visual. Nesta sexta-feira, 5, ao ser questionado pelo jornalista Leandro Quesada, de PLACAR, sobre seu histórico largo histórico contra brasileiros, ele quebrou o próprio protocolo.

Perguntado durante entrevista coletiva no Allegiant Stadium sobre as memórias que carrega do futebol nacional, começando pelo encontro do São Paulo, de Telê Santana, com o Newell’s Old Boys que dirigiu na final da Libertadores de 1992, Bielsa arregalou os olhos para responder antes mesmo da conclusão.

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“Isso sim era outro futebol (risos)”, iniciou, prosseguindo com longa fala relembrado a equipe de Telê até lamentar a venda precoce de jogadores jovens no futebol brasileiro e sul-americano.

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“Veja que interessante: você recorda a formação do São Paulo? Tinha um treinador monumental e uma formação de todos os jogadores da seleção brasileira jogando no futebol local. Então, pense no que aconteceu ao pobre futebol sul-americano. Este era o cenário….”.

“Era essa a pergunta?”, continuou, levantando a cabeça pela primeira vez para procurar o jornalista. “Quem fez a pergunta”, questiona. Bielsa, então, retoma o raciocínio:

“Não me ponho na obrigação de contestar com lugar-comum, de forma evasiva. Diga você a verdade. É evidente que se desprende de um cenário que temos hoje. Eu tenho a memória ruim, mas você certamente lembrará que aí jogavam Raí, Antônio Carlos, Ronaldão, Cafu, Pintado, Evanilson, Muller… eram todos jogadores europeus. Só que, antes de irem para a Europa, a maior parte jogou duas finais de Libertadores [pelo São Paulo]. Então, imagine o que aconteceu com o futebol. Como o futebol que é uma propriedade popular, essencialmente uma propriedade popular porque os pobres têm muitas poucas capacidades de acesso à felicidade, porque não possuem dinheiro para ‘comprar’ felicidade. Então, o futebol é gratuito e de origem popular. E esse futebol, que é uma das poucas coisas que horizontalmente os mais pobres mantém, já não existe mais porque aos 17 anos Endrick, o outro (extremo, em inglês) do Palmeiras [Estêvão, que vai para o Chelsea]. Bom, que lástima ter que dizer algo que só vai me trazer críticas. Eu creio que se há uma coisa que deveriam evitar é que os meios de comunicação ouçam as vozes que circunstancialmente tenha repercussão pública. Me entende? Eu sou ouvido porque sou o técnico da seleção uruguaia, se não o que interessaria o que vou dizer? Mas você, como representante de uma classe, que tem um certo poder que pode manipular muito, por que não investigam algumas mentiras? Cada vez que um episódio significativo do futebol mundial o poder difunde muitas mentiras. E depois, os responsáveis pela divulgação, em vez de investigar e desmascarar uma mentira, comprometem a pessoas públicas como Scaloni… como se chama o melhor do mundo? Vinicius Júnior e etc. Os usam não  para desmascarar, mas polemizar através deles. Então, o que deveríamos fazer nós? Contestar. Creio que estão conseguindo, já não opino. Todos se contentam assim. Bom, obrigado (risos)”, completou.