Alex, com o filho Felipe, e Raphael Veiga Reprodução/Instagram
Meia canhoto, contratado junto ao Coritiba e que superou um início turbulento para fazer história pelo Palmeiras. Vale para Alex e também para Raphael Veiga, que, segundo seu antecessor, já é o segundo maior ídolo da história do Verdão.
“No que podemos chamar de Era Moderna do Palmeiras, ele é o maior. Tem o Ademir da Guia, que é uma divindade dentro do clube, e ninguém vai tirar o posto dele. Mas depois, ao meu ver, o maior jogador da história do clube é o Raphael, por tudo que ele conseguiu fazer e ainda vai continuar fazendo”, afirmou Alex, em entrevista exclusiva à PLACAR.
Alex de Souza entende bem de final de Copa Libertadores. Um dos heróis da conquista inédita do Palmeiras em 1999, ele também foi vice-campeão no ano seguinte, diante do Boca Juniors. Tem 15 gols na competição, incluindo sua passagem pelo Cruzeiro, e muita história para contar.
Aos 48 anos, o hoje treinador do Operário-PR, clube que disputa a Série B do Brasileirão, Alex fez sua avaliação sobre a final do próximo sábado, 27, em Lima, entre Palmeiras e Flamengo, dois clubes que defendeu. Segundo ele, é uma final sem favorito, totalmente aberta.
“É igual, 50/50. O Flamengo tem um time muito forte, o Palmeiras também, e é aquilo que a gente sempre aprende: é o momento da inspiração. Qual jogador vai estar inspirado naquele dia, seja com ou sem a bola? Qual jogador vai aproveitar melhor o erro que vai surgir? Porque vai surgir, muitas vezes o erro surge e você não aproveita”, avaliou.
No papo, Alex também relembrou em detalhes a conquista de 1999 e elegeu o jogo contra o Vasco, pela volta das oitavas de final (vitória por 4 a 2, com dois gols seus, em São Januário) como um divisor de águas em sua carreira.
Alex, do Palmeiras, na final da Libertadores de 1999, diante do Deportivo Cali, no Parque Antártica – Alexandre Battibugli/PLACAR
Confira abaixo, a entrevista na íntegra:
Qual foi a chave daquela primeira conquista do Palmeiras na Libertadores? O título de 1999, na verdade, começa em 1998, com o título da Copa Mercosul. Quando eu chego ao Palmeiras, em1997, o clube havia repatriado o Felipão do futebol japonês com uma ideia fixa: ganhar a Libertadores, como ele havia feito com o Grêmio. Isso era quase que um mantra diário dentro do clube. Anos antes, o Palmeiras do Vanderlei Luxemburgo quebrou o tabu de títulos e montou um time maravilhoso, mas foi o São Paulo do Telê quem conseguiu um bicampeonato da Libertadores. O Paleiras, então, queria muito retornar à competição, e bateu duas vezes na trave, perdendo a final da Copa do Brasil de 1996 para o Cruzeiro e do Brasileirão de 1997 para o Vasco. Nessa época, havia poucas vagas, hoje dá para ir até como oitavo colocado. Em 1998, ganhamos a Copa do Brasil com aquele gol espírita do Oséas e nos garantimos na Libertadores. A partir daí, me lembro como se fosse hoje, o Felipe passou a repetir que a Mercosul seria um vestibular para a Libertadores. E foi, ganhamos as duas.
Alex, do Palmeiras, contra Gamarra, do Corinthians, no Dérbi da Libertadores de 1999 – PLACAR
Muita gente lembra de sua histórica atuação na semifinal contra o River, mas você também decidiu as oitavas de final, numa batalha contra o Vasco, em São Januário… Eu divido a minha carreira entre pré e pós-São Januário. Houve um Alex desde meu primeiro jogo, um Coritiba x Irati, em abril de 1995, e outro depois daquele Vasco 2 x 4 Palmeiras. Eu virei outro jogador. Até então, existia muito apelido pejorativo, críticas até maldosas. A maior vaia que eu recebi na vida, da minha própria torcida, foi no jogo de ida, 1 a 1 em São Paulo. Achei que o mundo fosse acabar quando escutei aquilo. O Felipe percebeu que eu estava chateado e me passou confiança, disse que precisaria da minha melhor versão na volta. O Vasco era o atual campeão, estava invicto em São Januário havia várias partidas e lá é sempre um ambiente espetacular, a torcida empurra muito o Vasco. Fiz dois gols e brinco que saí de um menino em potencial para me tornar um adulto com potencial definido, aquele jogo foi um carimbo pelo tamanho do jogo com dois elencos espetaculares. A sorte sorriu para mim, para que eu fosse o jogador decisivo daquela partida.
Assim como ocorreu agora com Weverton e Carlos Miguel, o Palmeiras precisou mudar de goleiro no meio do campeonato, com a lesão do Velloso. Vocês esperavam que o Marcos pudesse brilhar tanto? Não foi surpresa. O Marcão estava no Palmeiras desde a saída da fila, já havia até sido convocado para a seleção bem jovem, e sempre foi um goleiro em potencial dentro do clube, as pessoas sempre acreditaram nele. É que na frente dele na fila tinha o Velloso, que era uma bandeira do clube também, com mais de 400 jogos. O Velloso se machucou num treino, numa brincadeira em que jogava na linha, e aí a vaga teria que ficar entre Marcos e o Sérgio, que era mais experiente. Mas era o momento do Marcos. Talvez quem mais tivesse dúvidas nesse momento fosse o próprio Marcos, com aquele jeitão [humilde demais] que era quase que um mecanismo de defesa dele. Mas eu nunca vi na minha vida um goleiro tão decisivo como aquele Marcos de 1999 a 2002, era um negócio assustador. A escolha por ele não era simples, mas foi acertada, tanto que ele virou santo e tem um busto no clube hoje.
Depois de passar por Vasco, Corinthians e River, o Palmeiras chegou à final como favorito? E isso, de certa forma, teve um peso emocional? Eu acho esse favoritismo era colocado pela imprensa brasileira. O caminho do Deportivo também foi complicado e chegou com méritos, tinha bons jogadores, de seleção. A Colômbia na época vivia um período belíssimo, com jogadores espalhados no Brasil, na Argentina, na Europa e na própria Colômbia. Então, esse sentimento de favoritismo nós nunca tivemos. O que a gente tinha era uma carga extra, por causa desse mantra que comentei. Era um Palmeiras que já tinha perdido final de Libertadores, que nem tinha disputado edições com times até melhores tecnicamente que o de 99. Todos os jogos foram apertados, mesmo contra Vasco e River. O Felipão tinha uma frase que era quase que um ritual semanal: vamos fazer o gol e fechar a casinha. Para sair no contra-ataque. A final em Cali foi duríssima uma atmosfera hostil para caramba. Foi 1 a 0, gol do Bonilla e poderia ter sido mais. Em São Paulo, foi um jogo nervoso, a gente teve duas, três chances e não conseguiu fazer o gol. O jogo foi aumentando de nervosismo, uma tensão absurda. Na hora das penalidades, você traz toda essa carga de toda a história e de tudo que se falava.
Você já tinha sido substituído e por isso não bateu pênalti. Como viveu aquele momento? Pensei no jogo do Corinthians, que também é uma história à parte, porque a gente ganha o primeiro jogo controlado, 2 a 0, e depois tomamos um atropelo no segundo, 2 a 0 para eles e penalidades, onde fomos mais felizes. Vivi a decisão com a mesma tensão. O Zinho perdeu o primeiro pênalti. Nessa hora, cada penalidade que você vai e perde, o teu resultado fica cada vez mais longe… mas é tudo muito rápido, quando o Bedoya bateu e ela explodiu na trave, pensei: opa, estamos vivos de novo. Daí vai o Euller, que batia de um jeito sem força, deslocando o goleiro, e ela demorou uma eternidade par entrar… Então você vive essa montanha-russa e a gente sabe que acontece o mesmo do outro lado. Quando o Zapata vai bater o pênalti, ele também estava carregando um Deportivo, todo o futebol colombiano, um povo apaixonado, eu imagino o peso que isso teve para ele. Ele troca o canto que havia batido no tempo normal, demos sorte que ela saiu e confirmamos o título.
O Palmeiras de 1999 era um time que trabalhava muito bem os cruzamentos, principalmente com Arce, e as chegadas do Júnior pela esquerda. Hoje quase não vemos laterais atacando. Por que o futebol mudou tanto? Era um de corredor aberto e ocupado pelos laterais. Tínhamos um Oséias preso com o Paulo Nunes caindo para a direita e eu caindo para a esquerda. Se o Paulo Nunes caia para a esquerda, eu caia para a direita. Com um tripé de meio-campo, com César Sampaio, Rogério e Zinho. Tínhamos três “animais” na linha central, Cléber, Roque Júnior e Júnior Baiano, que eram muito agressivos no jogo aéreo. Era um time muito bom nas jogadas por cima, o Sampaio era muito bom de cabeça, o Evair e o César, até mesmo o Paulo Nunes, que ninguém dava nada por ser pequenininho, tinha um tempo de bola e uma leitura assustadoras.
Luiz Felipe Scolari, técnico do Palmeiras, durante um jogo contra o Corinthians, pela Copa Libertadores de 1999 – PLACAR
Você também, Alex, fez alguns golzinhos de cabeça… Sim, fiz alguns, mas essa rapaziada estava bem à minha frente. Então, o que o Felipe fazia era usar as características desses jogadores que, além da qualidade, tinham uma personalidade muito forte, resolviam os problemas, todos queriam muito ganhar e ser decisivos, e foi isso que fez com que o time conseguisse o objetivo principal.
A própria Libertadores também mudou muito… Cara, mudou muita coisa, a começar pelo número de vagas. Chegar na Libertadores era muito mais difícil, não ia nem vice. Hoje, dá para chegar até sendo o oitavo. A competição era menor no número de times (20), e isso deixava a competição muito mais é competitiva e disputada. O potencial financeiro de Argentina e Brasil eram muito semelhantes. É um pouquinho abaixo de nós, Uruguai, Paraguai, Chile. Mas não era uma distância tão grande como hoje, em que o Brasil domina. Hoje o time brasileiro consegue tirar o melhor jogador do River, isso não acontecia antes.
Você vê semelhanças entre este Palmeiras e o da sua época e entre os estilos de Felipão e Abel Ferreira? Não, não tem nada a ver um com o outro. O Palmeiras no meu período tinha uma parceria com a Parmalat, que investia na contratação de jovens valores como eu, Flávio Conceição, antes teve Roberto Carlos, Edmundo… Eram formas diferentes de gerir o clube. O de hoje é muito mais sustentável do que era daquela época, porque hoje existe um trabalho espetacular nas categorias de base. O clube já entendeu como fazer essa transição dos meninos de baixo para estrear no time de cima. O torcedor comprou esse barulho e o torcedor entende. É um trabalho muito bem feito, que entrega bons jogadores ao time de cima para dar uma sustentada boa aos grandes jogadores que eles contratam, já que tem hoje uma condição financeira. O Abel também é um pouco diferente do Felipe, que tinha aquela ideia gaúcha dele, que o fez vencer no Criciúma e no Grêmio. Ele tinha o método dele, que na época funcionava bem… talvez a semelhança exista nessa coisa de trazer as suas raízes para dentro do clube e o clube aceitar bem. As comissões técnicas da época eram mais enxutas, hoje o Abel tem uma comissão um pouco mais robusta… Todos trabalham muito bem, em conjunto, o é uma máquina que revela jogadores, põe para jogar, vende bem, disputa títulos, conquista títulos…é inegável que este é o período mais vencedor da história do clube.
Alex, do Palmeiras, dribla jogador do Boca Juniors durante partida válida pela final da Taça Libertadores, no Estádio La Bombonera – PLACAR
O Abel é o maior técnico da história do clube? Claro que essa é uma escolha individual, uns podem dizer que foi Oswaldo Brandão, outros podem citar Filpo Nunes, Vanderlei, Felipão… mas acho que já é uma unanimidade que o Abel é o maior treinador da história do clube, acho que até o Luxemburgo e o Felipão devem concordar com isso.
E em relação ao Veiga, que tem até uma história semelhante à sua, o meia canhoto que chegou do Paraná, demorou um pouco a engrenar e virou ídolo… Fico muito feliz com a história do Veiga, porque me lembro de quando ele vai do Coritiba para o Palmeiras e é emprestado ao Athletico-PR, eu e o Djalminha tivemos uma conversa com ele, e nós dissemos a ele que se ele conseguisse fazer tais situações dentro do jogo, ele se tornaria um dos grandes do clube. E, sinceramente, no que podemos chamar de Era Moderna do Palmeiras, ele é o maior. Tem o Ademir da Guia, que é uma divindade dentro do clube, e ninguém vai tirar o posto dele. Mas depois, ao meu ver, o maior jogador da história do clube é o Raphael, por tudo que ele conseguiu fazer e ainda vai continuar fazendo, porque tem um período longo dentro do clube. Pelo número de gols, de passes, participação, títulos, participações efetivas. Então eu fico muito feliz porque eu vi o Veiga nascer no Coritiba e depois criei uma amizade com ele, tivemos conversas longas e vê-lo conquistar tudo que está conquistando de maneira coletiva e também individual. Eu coloco ele como top 3 da história do clube, por tudo que ele tem representado nesse período, que é o período mais vencedor do clube.
Qual a sua avaliação sobre a final contra o Flamengo? É 50/50 ou há um favoritismo ligeiro para um dos lados? É igual, 50/50. O Flamengo tem um time muito forte, o Palmeiras também, e é aquilo que a gente sempre aprende: é o momento da inspiração. Qual jogador vai estar inspirado naquele dia, seja com ou sem a bola? Qual jogador vai aproveitar melhor o erro que vai surgir? Porque vai surgir, muitas vezes o erro surge e você não aproveita. Ou muitas vezes você provoca um erro. Então é de início é 50/50, o Filipe Luís vai ter as ideias dele, o Abel vai ter as dele, mas o que vai decidir é a inspiração do jogo, em cima de um time mais assertivo, de um jogador mais criativo, de um lance que tira o coelho da cartola, de uma definição de um Veiga, de um passe de um Arrascaeta… Existe ainda dúvida, pelo que eu vi, se o Pedro chega no jogo ou não chega, ainda tem tempo até o jogo, como é que esses caras vão chegar? A minha torcida, e que cheguem todos nas melhores condições, para que tenhamos o melhor jogo possível, mas sinceramente, desenhar um prognóstico é dificílimo e vai ficar como foi da última vez. Jogo muito parecido, um jogo muito igual. E quem se aproveitar melhor do que aparecer defina o resultado.