Matéria publicada na edição 1528 de PLACAR, de outubro de 2025, já disponível em versão digital e física em nossa loja 

No seriado americano Ted Lasso, vivenciado no charmoso e pacato bairro de Richmond, em Londres, Nate Shelley surge como um roupeiro tímido, quase invisível, mas com olhar clínico para o futebol. Sua ascensão, de responsável pela limpeza dos vestiários a comandante dos treinamentos, torna-se na ficção uma metáfora da persistência e do talento que encontra espaço mesmo onde ninguém olha.

O interior de São Paulo oferece um roteiro semelhante, mas sem câmeras ou grande produção. Atendendo por anos como o homem que carregava mochilas, pintava arquibancadas, lavava uniformes e enfaixava tornozelos, Davi Zaqueo, 44, assumiu nesta temporada a prancheta para um feito tal qual o do auxiliar de Lasso: tirar o Tanabi da última divisão do Campeonato Paulista após mais de 30 anos.

Zaqueo (de chapéu) cuidando do gramado do estádio Alberto Victolo - Arquivo pessoal

Zaqueo (de chapéu) fazendo a manutenção do gramado do estádio Alberto Victolo – Arquivo pessoal

“Eu nunca pensei em ser treinador, nunca mesmo. Só em 2020, no meio da pandemia, comecei a imaginar que poderia assumir um time. Até lá, meu papel era outro: fazer o clube existir, não deixar morrer”, disse Zaqueo à PLACAR, com a voz calma, quase surpresa de si mesmo.

A simplicidade do profissional ao resumir sua trajetória improvável anda lado a lado com a história de um clube que parecia condenado ao esquecimento. Desde 1994, quando foi rebaixado na Série A-3 do Campeonato Paulista, o time da região de São José do Rio Preto frequentava um calvário na última divisão estadual, acumulando até mesmo períodos de licenciamento, sem participação em nenhuma competição oficial.

A relação de Zaqueo com o Tanabi começou ainda na infância. Na década de 1980, acompanhava o pai ao estádio Alberto Victolo para ver a fase dourada do time. Nos anos 1990, assistiu ao irmão Rogério, goleiro da equipe em 1992 que chegou a jogar com Edilson Capetinha, enquanto o clube passava por crises severas, mesma época em que participava de rifas e vendia pizzas, tudo para manter vivo o que já era parte de sua identidade.