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Elias Duba: o Poderoso Chefão há 33 anos à frente do Madureira
Elias Duba: o Poderoso Chefão há 33 anos à frente do Madureira
Dirigente à moda antiga, ele tem um histórico repleto de polêmicas, suspensões, brigas… somado a uma inconfundível disposição de dizer tudo o que pensa. E garante: só deixa a presidência no caixão
O carioca Elias Duba conta que são raras as pessoas autorizadas a utilizar o pequeno elevador que dá acesso à sua sala, localizada em um prédio anexo ao estádio Aniceto Moscoso, em Conselheiro Galvão, com vista direta para o gramado.
“Subir aqui é para poucos, hein? Agora até para mim”, sorri o presidente do Madureira, que explica: “O problema é que essa escada é complexa, botei até marca-passo por causa dela. Fiquei cardíaco, hipertenso e diabético. Tive um piripaque uma vez, quase morri”.
Mas não são apenas os percalços da saúde, no auge de seus 75 anos, que limitam os acessos do reduto de onde o cartola espia, por meio de uma TV de 50 polegadas, todos os passos do clube: portaria, administração, tesouraria, gramado, loja e restaurante. Tudo – absolutamente tudo mesmo – pelos olhos dele em Madureira. E é assim há 33 anos.
“Se o ‘seu’ Duba falou, está falado” – essa é a frase que mais ecoa entre funcionários. Durante a entrevista, um deles interrompe a conversa, com um sorriso amarelo, para colocar sobre a mesa uma nota fiscal e o troco de uma mercadoria comprada. “Tá aí, seu Duba”, diz, enquanto o dirigente gesticula com o braço. “Sabe o que é? A minha vida está toda aqui. Na verdade, só vou dormir em casa, mesmo”, gargalha.
Com o boneco personalizado do Madureira que ganhou da filha – Alexandre Battibugli/Placar
Desde 1992 ocupando a cadeira da presidência do charmoso e centenário clube da zona norte do Rio de Janeiro, Elias Duba lembra por vezes – quase de forma caricata – Don Vito Corleone, considerado por críticos como o maior personagem cinematográfico de todos os tempos, interpretado pelo ator Marlon Brando em O Poderoso Chefão.
No primeiro dos filmes da trilogia, é na sua sala, durante um casamento, que passam todas as bênçãos e decisões, guiadas por um código de honra que coloca família e lealdade acima de tudo. Há um modus operandi próprio no lugar que aprendeu a chamar de casa.
“É que sou nascido aqui, na Estrada da Portela, fruto da união de famílias libanesa e portuguesa. Meus avós e meus pais sempre foram do Mercadão de Madureira, então também comecei no comércio. Pratiquei futebol de salão no clube e vivi toda a minha vida aqui. Me casei com uma menina de Madureira, que era minha vizinha. Estamos há 51 anos juntos, com quatro filhos e quatro netos maravilhosos. Embora tenha saído para morar em Jacarepaguá e, depois, na Barra (da Tijuca), o meu prazer é vir todos os dias a Madureira. Tenho funcionários que começaram comigo, que estão há mais de 30 anos – e são a minha família. O corpo e a saúde não são mais os mesmos. Já não tenho mais o dinamismo do início, sabe? Por isso, digo para os mais próximos: ‘É meu último mandato’. Mas todo ano renovo a mesma frase, então só saio no caixão, mesmo. Ninguém acredita mais”, conta à PLACAR.
Ao lado de sua mesa, as câmeras que tudo veem: portaria, administração, tesouraria, gramado, loja e restaurante – Alexandre Battibugli/Placar
Em mais de três décadas, Duba só venceu uma eleição: a de 1992. Depois disso, foi reeleito para todos os pleitos por aclamação dos sócios. Segundo ele, há um cuidado especial para que o Madureira “não caia nas mãos de qualquer um”. O clube também resiste à era das SAFs.
“Por quê? Por causa do nosso patrimônio. Somos a fusão de três clubes, temos um galpão de mais de 3 000 metros quadrados com 32 lojas que pertence ao Madureira. Não podemos fazer muitos investimentos, mas honramos nossa folha salarial de 130 funcionários. A SAF para mim não é modelo.”
Autointitulado “dirigente raiz”, não faltam costumes à moda antiga. São famosas as “visitas de Silvio Santos” aos vestiários – apelido dado pelos jogadores por causa dos maços de notas de R$ 50 e R$ 100 distribuídos como prêmios por lances plásticos, como uma bola entre as pernas, dribles e assistências, além dos tradicionais “bichos” entregues pessoalmente aos atletas. Prática da qual não abre mão.
Da janela ao lado do campo, Duba lembra aos risos a tentativa de acertar o bandeirinha com uma lixeira – Alexandre Battibugli/Placar
“O que mais gosto do futebol é o drible, a técnica. Hoje quase não vemos mais isso. Os jogadores parecem máquinas, como se saíssem de um videogame. Eu vi lances incríveis aqui”, recorda.
Vice-campeão carioca em 2006, o dirigente conseguiu à frente do Madureira um inédito acesso nacional na história do clube – da Série D para a Série C, em 2010, considerado o maior da história de 111 anos –, mas a trajetória também soma inúmeros episódios conturbados como invasões a campo, expulsões, discussões e até brigas com árbitros. Ele confessa ainda ter sido agredido e suspenso, muitas vezes.
“Você precisa ser dirigente de um time pequeno para entender o quanto sofre, ainda mais quando joga contra o grande. O árbitro veste a camisa deles, mesmo. Antes da era do VAR era pior. Acho que fui o dirigente mais suspenso da história do futebol, mas vi coisas espantosas no futebol. Algumas que não posso nem falar. Como ficava muito na beira do campo, me envolvia e ia expulso. Por isso, resolvi construir essa sala. Para ver o jogo e não interferir em nada. Só que teve um jogo que não aguentei”, lembra.
O episódio em que não aguentou envolve uma partida contra o Vasco, em Conselheiro Galvão, no início dos anos 2000. Com o ex-atacante Sorato como principal nome da equipe, o Madureira abriu o placar em uma jogada de linha de fundo, aproveitando o cruzamento na área. O árbitro auxiliar assinalou impedimento, invalidando o gol.
Em cada canto de Conselheiro Galvão, homenagens ao Tricolor Suburbano – Alexandre Battibugli/Placar
Ele olhou para mim e deu uma risadinha. Não pensei duas vezes: o que havia mais perto era uma lixeira, então arremessei da minha janela. Não acertou, mas passou perto”, conta, aos risos.
Em 2006, após uma eliminação precoce na Série C, o árbitro Francisco Leite Matos acusou Duba de, acompanhado por seguranças, tê-lo ameaçado e perseguido nas ruas ao redor do estádio Alair Corrêa, em Cabo Frio. Disse até que tiros foram disparados. O dirigente negou: “Eram fogos de artifício”.
Em 2015, após derrota para o Fluminense, o árbitro Péricles Bassols relatou ofensas do presidente: “Você é um v…! Safado! Filho da p…! Você veio mandado pelo Rabello! Vai se f…!” e, segundo a súmula, ainda teria continuado gritando: “Você deve estar dando a b… aí dentro! Se for homem, vem aqui fora! Isso não vai ficar barato!”
As brigas de Duba, dentro e fora do gramado, renderam a ele comparações com Eurico Miranda (1944-2019), a quem chama de amigo pessoal e diz por muitas vezes tê-lo recebido para que chorasse em sua sala – a mesma de acesso restrito a poucos. “Vocês já viram o Eurico chorar? Eu já vi, e mais de uma vez. Ele chorou aqui comigo quando o Roberto (Dinamite) assumiu a presidência do Vasco. Ele tinha aquele negócio: ame-o ou odeio-o, sem meio-termo. Um homem de palavra que nunca encontrei igual no futebol.”
Até a CBF também já esteve na mira. Segundo ele, a entidade que comanda o futebol brasileiro “faz covardia” com os clubes pequenos. Impossibilitado de jogar a Série C em seu estádio em 2008, ele não teme a fala incomum para relembrar as dificuldades. Hoje o clube está sem divisão nacional.
Eurico Miranda, ex-presidente do Vasco morto em 2019, a quem chamava de amigo – Antonio Lacerda./EFE
“Quando estava na Série C, fiz de tudo para cair. É simples: não aguentava mais pagar contas, sabe? Então torcia para perder para poder sair do campeonato. Já comprei uma briga com o Marco Polo Del Nero (ex-presidente da CBF), porque onde passo exerço liderança. Cobrei mais ajuda e eles responderam que já ajudavam pagando a taxa de arbitragem. É uma covardia. E hoje eu quero voltar (risos). Ano que vem vamos jogar a Série D, tomara que a gente volte. Mas quero no máximo até a Série B, seria nosso auge para melhorarmos receitas. Série A, nem pensar”, analisa.
Refletindo sobre o longo período na cadeira do clube, o dirigente relembra o sonho de ter conduzido o Tricolor Suburbano a um título de relevância, mas também não se frustra: “Defendi o patrimônio, fiz muitas vezes o que tinha que ser feito”.
Ele admite ter cometido diversos erros durante sua gestão. Conta que foi enganado por jogadores e empresários – estes, que classifica como “o maior câncer do futebol” – e reconhece que, em algum momento, precisará passar o bastão a um sucessor. O favorito é o vice-presidente de futebol Rafael Magalhães.
“Ele é filho de um grande amigo meu. Entramos juntos aqui, jogávamos bola. E o Rafael é um menino que tem total capacidade para que eu saia daqui tranquilo. Mas ainda precisa maturar, está verdinho. Tão logo esteja capacitado, passo o clube com a certeza de que estará em boas mãos.”
Até lá, a cartolagem em Madureira seguirá ao melhor estilo raiz do futebol – ao modo Elias Duba.
MEU AMIGO JOSÉ
“Há muitos anos já não falo com Mourinho, mas foi uma das grandes pessoas que conheci no futebol. Nos aproximamos muito por causa de negociações de jogadores que fiz no União Leiria. O presidente, João Bartolomeu, era meu amigo. Então jantamos muitas vezes, conversamosmuitas vezes. Foi ele que pediu pela manutenção do Derlei, que levei do Madureira para lá. O Derlei tinha várias propostas, mas Mourinho prometeu que ficaria pouco tempo em Leiria e arrumaria um grande time para ele. O problema é que precisava de outro jogador, de um outro atacante. Falamos do Euller, que era caro. Resolvi para ele o Maciel, um baixinho que tinha comido a bola no União São João.
Duba tem relação ‘special’ com Mourinho, hoje técnico do Benfica – EFE
Fui embora de Portugal e meses depois recebo uma chamada internacional. Era ele, Mourinho. ‘Você não me disse que esse Maciel era bom?’, falou. Eu gaguejei, falei que, pelo que tinha visto, sim. Ele falou: ‘Não é bom, Duba. É craque’. Pouco depois, o Mourinho foi para o Porto, levou o Derlei, levou o Maciel e mantivemos um ótimo relacionamento. Quando vi o primeiro treinamento dele, aí me encantou de vez. A liderança que tinha com os jogadores também era incrível.”
ESPELHO, ESPELHO MEU…
O que o todo-poderoso de Madureira pensa deles
Eurico, o amigo
“Sou vascaíno e fiz campanha para o Eurico em 1986. Desde então, viramos amigos. Eu o admirava porque a imprensa em geral só detonava o Vasco e colocava os arquirrivais nas alturas. O Vasco sempre foi um coitado. E o vi enfrentar emissoras, repórteres, brigar pelo clube. Desde então, ganhou minha admiração. O Eurico é incomparável. Outro dia encontrei o Euriquinho (filho do Eurico) e disse: ‘Como eu tenho saudade do seu pai’. Ele por várias vezes me confidenciou coisas. Vinha se refugiar aqui em Madureira, me via como um companheiro para desabafar.”
Petraglia, o algoz “Eu o conheci quando viajamos juntos para assistir a uma final da Champions. Voltamos em um voo, conversando. Estava o (Eduardo) Bandeira de Mello (então presidente do Flamengo), que brincou: “Ó, Petraglia, ele tem o melhor lateral-esquerdo do Rio”. Acabou que esse jogador foi para o Athletico-PR, tirado daqui por um empresário. Uma grande decepção. A outra foi quando emprestei um jogador ao Athletico e não recebi nada. Mas sei que fez muito por lá, que é um dirigente de coração e que há um antes e depois de Petraglia.”
John Textor: adorado e odiado na mesma medida por botafoguenses e rivais – Antonio Lacerda/EFE
Textor, o enigma
“Acho que o Textor fez bem para o Botafogo, mas ele é um dirigente? Ou é o dono de uma grande empresa? Pessoalmente, não o conheço. Pelo que vejo de fora, é um empresário que salvou o Botafogo. A torcida botafoguense, já disse a alguns, tem que levantar as mãos para o céu e dar graças a Deus de tê-lo. O que ele conseguiu para o clube, nenhum outro conseguiu. O Montenegro foi campeão em 1995, eu participei pela minha proximidade com ele, mas também há um Botafogo antes e depois de Textor.”
HAJA FÔLEGO
Outros cartolas longevos no futebol brasileiro*
Amadeu Teixeira (América-AM)
54 anos (1955-2008)
Elias Duba (Madureira)
33 anos (desde 1992)
Athiê Jorge Coury (Santos)
27 anos (1945–1971)
Ricardo Teixeira (CBF)
24 anos (1989-2012)
Antônio Soares Calçada (Vasco)
18 anos (1983–2000)
Alberto Dualib (Corinthians)
15 anos(1993-2007)
Mustafá Contursi (Palmeiras)
13 anos (1993-2005)
Wadih Helu (Corinthians)
11 anos (1961-1971)
Marcelo Teixeira (Santos)
10 anos (2000-2009)
Marcos Barbosa (CRB)
10 anos(2011–2020)
Juvenal Juvêncio (São Paulo)
9 anos (2006-2014)
Eurico Miranda (Vasco)
8 anos (2001–2008)
*considerando mandatos contínuos
UM SUBURBANO ORGULHOSO
Fundado em 16 de fevereiro de 1933, tem como data oficial de fundação o 8 de agosto de 1914, valendo-se da fusão com o Fidalgo Madureira Atlético Clube
A partir de 12 de outubro de 1971, passou a ser Madureira Esporte Clube, resultado de uma nova fusão com o Madureira Tênis Clube e o Imperial Basquete Clube
Conhecido como Tricolor Suburbano, carrega as cores grená, azul e amarelo
Lenda do Barcelona e do Real Madrid, Evaristo tem saudades do início no Madureira – Divulgação/Madureira
O estádio Aniceto Moscoso, em Conselheiro Galvão, foi inaugurado em 15 de junho de 1941. Tem capacidade para pouco mais de 5 000 torcedores
Detém o recorde de permanência de um clube no exterior: 36 jogos em 144 dias em 1961
A “fábrica de craques”, como é conhecida a base do clube, revelou nomes como Evaristo de Macedo, Jair Rosa Pinto, Marcelinho Carioca, Iranildo, Souza, Léo Lima, Maicon, Paulinho (do Palmeiras) e Philippe Coutinho; além de técnicos como Jair Pereira e Renato Gaúcho.
Ídolo do Vasco, Coutinho (sentado) jogou antes no futsal do Madureira – Divulgação/Madureira
Foi três vezes vice-campeão carioca (1936, 1937 e 2006) e uma vez vice-campeão da Série D (2010)