Reportagem publicada na PLACAR de maio, edição 1523, já disponível em nossa loja, nas bancas e em versão digital (vire membro)

Moacir Barbosa do Nascimento, nascido em 27 de março de 1921 e condenado no dia 16 de julho de 1950. Preto de nascença e de morte, um dos maiores goleiros de sua época e ídolo do Vasco da Gama. A história de Barbosa é amplamente conhecida e relembrada quando necessária – e esquecida tantas outras vezes. O chute de Alcides Ghiggia que o superou na final da Copa do Mundo de 1950, e criou o termo Maracanazo para denominar o título uruguaio, sentenciou Barbosa como “o homem que fez o Brasil chorar”, e criou o estigma de que preto não deveria ser goleiro. Ainda em 1921, quando Barbosa era apenas um recém-nascido, o Brasil disputara a Copa América na Argentina apenas com jogadores brancos, uma recomendação do então presidente Epitácio Pessoa acatada pela CBD para “preservar a reputação do país no exterior”.

A justificativa caiu como uma resposta conivente ao episódio racista do ano anterior, quando o jornal argentino Crítica publicou uma charge representando os jogadores brasileiros, entre eles o histórico Arthur Friedenreich, como macacos. Episódio semelhante se repetiu em julho de 1996, quando o tradicional periódico argentino Olé estampou na capa “Que vengan los macacos”, em nova referência à seleção brasileira.

Inúmeros episódios poderiam ilustrar esta abertura, mas a interligação destes fatos em períodos tão distantes ajuda a compreender como o racismo está presente nas sociedades: “Uma das marcas do colonialismo é ter criado uma ordem social estratificada e hierarquizada a partir de categorias étnico-raciais. Em toda a América Latina há essa divisão. Não existe país sem racismo”, diz o argentino Nicolás Cabrera, sociólogo e pós-doutorado da UERJ no grupo de pesquisa Observatório Social do Futebol. O óbvio, por vezes, precisa ser dito e escrito: o futebol anda de mãos dadas com a sociedade, e reflete seus ideais, valores, culturas e mazelas. O racismo é parte deste bolo, no quintal do vizinho e também no nosso.

Marcelo Carvalho, diretor-executivo do Observatório de Discriminação Racial no Futebol, se diz farto de notas oficiais e discursos vazios. “Precisamos que as instituições trabalhem juntas. O racismo não vai acabar em uma ação da CBF ou mesmo do judiciário, é preciso criar conscientização e educação”. O Observatório monitora casos no Brasil e no exterior e encara o esporte como um meio de inclusão social e luta contra a discriminação e violência. Desde 2014, são disponibilizados relatórios anuais com todos os casos de preconceito racial, xenofóbicos, machistas e de LGBTfobia.

Na última década, foram 576 ocorrências somente por injúria racial, com um aumento dos registros ano após ano. A exceção foi 2020, ano da pandemia de Covid-19, quando os jogos aconteceram com os estádios vazios. No relatório de 2023, último divulgado, foram 136 casos. “Precisamos entender esse aumento gradual. Os números são ruins, mas tem algo que precisamos considerar, que é a abertura do debate. Estamos conscientizando mais as pessoas (jogadores, imprensa, torcedores). É preciso falar e denunciar, e sob essa perspectiva vejo algo positivo”, diz. “Mas, claro, esse número precisa parar de crescer em algum momento”.